Natureza em Destruição

A concepção da realidade que predominou no Ocidente até as vésperas da revolução científica era a de um “mundo encantado”. As rochas, as árvores, os rios e as nuvens eram tidos pelo homem como seres maravilhosos e portadores de vida. Os homens, por sua vez, sentiam-se em casa neste “mundo encantado”. O cosmo era o lar ao qual pertenciam. Cada pessoa não era um observador distante e alienado, mas um direto participante da trama da vida. O destino pessoal de cada um estava ligado ao destino do cosmo, e esta interrelação conferia sentido profundo à vida de todos. Este tipo de concepção da realidade – que chamarei consciência participante – envolve a fusão ou identificação do homem com o seu ambiente natural, expressando uma integração psíquica que há muito tempo deixou de existir.

Considerando-se o plano mental, a história da Idade Moderna é uma história de progressivo desencantamento. A partir do século XVI, a mentalidade científica nos tornou verdadeiros estrangeiros (seres não-integrados) em relação aos fenômenos do mundo. Inovações capazes de questionar essa nova visão da realidade – física quântica, ou certas pesquisas ecológicas – não foram suficientemente fortes para abalar a forma dominante do pensamento vigente. Essa forma pode ser adequadamente descrita com palavras como desencantamento, não-integração, pois ela insiste em estabelecer uma rígida separação entre o observador e o observado. Assim, a consciência científica tornou-se uma consciência alienada no sentido de que não promove uma fusão harmoniosa com a natureza, mas sim a separação plena dela. O sujeito conhecedor e o objeto investigado são encarados como pólos opostos antagônicos. “Não sou minhas experiências e conclusões sobre o mundo. Portanto, não faço parte desse mundo” - raciocina o cientista. A conseqüência lógica dessa visão de mundo é um sentimento de coisificação: tudo é objeto, estranho, não-eu. E “eu”, afinal, também sou um objeto; um ser à parte, em meios a tantos outros seres. O cosmo não foi construído por mim; tampouco se importa com minha existência e eu não tenho a sensação de estar nele integrado.

Durante mais de 99% da história da humanidade, vigorou a concepção de que o mundo era encantado e o homem se sentia como parte integrante dele. Nos últimos quatro séculos, a total reversão dessa concepção destruiu, no plano psíquico e físico, o sentimento de integração do homem em relação ao cosmo. Isso foi responsável pela quase-destruição ecológica do planeta. A única esperança, parece-me, está no re-encantamento do mundo como meio de nosso re-encontro.

É nisto que reside a questão central do dilema moderno. Não podemos voltar à alquimia ou ao animismo – pelo menos isso não parece provável. Por outro lado, não podemos permanecer com este mundo triste, de frieza científica, controlado por computadores, ameaçado por reatores nucleares. É preciso desenvolver algum tipo de consciência holística ou participante – e uma formação sociopolítica correspondente – se desejamos sobreviver enquanto espécie genuinamente humana.

MORRIS BERMAN, The reenchantment of the world,
in COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993. Pg. 25.

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